terça-feira, 26 de setembro de 2017

Você é o que você faz?

“O homem que remove montanhas sempre começa retirando pequenas pedras do caminho.” – Provérbio Chinês.

Conhecemos um pouco, pela história do mundo do trabalho, que as funções desempenhadas profissionalmente estavam diretamente ligadas a quem se era - fosse você filho de peixe, peixinho seria, fosse por ofertas reduzidas e concentradas, que faziam com que se trabalhasse naquilo que estava disponível. Ou seja, trabalhava-se por "necessidade ou destino", não por "liberdade e escolha"*.

Apesar de ainda achar que "poder escolher" é um atributo, na grande maioria das vezes, de classes mais privilegiadas, o discurso tem aumentado tanto, que tem incomodado até mesmo aqueles que estavam acomodados - e tudo bem!

Comecei a ouvir pessoas dizerem:

- Babi, eu acho que não tenho um propósito, e aí?

- Eu não sei se quero mudar o mundo; será que meu trabalho não tem sentido e eu não tinha me ligado?
- Eu não impacto o mundo, acho, mas o que eu posso fazer?

Esses discursos de massa me incomodam. "Empresas dos sonhos". "Trabalho perfeito": Você sonha em ir para o Japão? Que legal, eu não. Empresas são para mim como viagens: experiências muito particulares que dependerão muito mais de quem você quer se tornar, do que você acredita, do que sabe fazer e do que busca, do que algo permanente que definirá quem você é.

De verdade, não é que você não tem um propósito, não impacta o mundo ou que seu trabalho não faz sentido: o caminho é seu, não é do coleguinha, do vizinho, do amigo - é seu. E só você pode dizer o verdadeiro papel do trabalho na sua vida e acho mesmo que estará tudo bem se você não for peixe, tendo o mar como seu habitat: É você quem vai escolher quem quer se tornar,  sendo.

A evolução do mundo do trabalho nos últimos anos tem sido tão velozmente acelerada, que, os 200 anos que a história precisou contar, antes que os filhos de padeiros pudessem ser outra coisa, que não padeiros, está se reduzindo para um espaço de cinco a 10 anos. 

Concomitantemente a esse movimento, as perguntas enlouquecedoras que os gregos se faziam no século V a.C. sobre "como ter uma boa vida" parecem um tsunami que chegou aos lugares e profissões mais impensadas do mundo moderno.

Então, mais preocupado em ser o "Fulano daquela empresa", a "Beltrana do RH", busque saber quem gostaria de se tornar - acho que vai ficar mais leve aceitar que tudo bem estar onde está agora e melhor ainda será o momento em que decidir sair e ser outra pessoa, em outro lugar. 

Se a montanha é a junção de pequenos fragmentos; se somos a soma das nossas experiências; se os empregos não são mais estáticos, porque filho de peixe, peixinho não será e se, então, a vida também não é estática, o apego, se existir, deveria ser à nossa essência e não ao nosso empregador, ao cargo atribuído, nem, tampouco, à nossa formação.


*Como encontrar o trabalho da sua vida - Roman Krznaric.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

10 perguntas para você candidatar (a si mesmo)

"Sou a única pessoa no mundo que eu realmente queria conhecer bem". Oscar Wilde.

Eu sei que é difícil buscar oportunidades de trabalho. Desanima quando, principalmente, os portais de vagas e cadastro de inscrições ou CVs têm contador e você adquire a informação das centenas, talvez milhares, de concorrentes contigo.

O sentimento de frustração é quase perene. Quando alguém responde um e-mail ou uma mensagem ou dá qualquer sinal de solidariedade, reciprocidade ou respeito mesmo, é como se um fiapo de luz virasse uma labareda; de tão importante que é nos sentirmos acolhidos e enxergar, neste outro, que às vezes nem sabemos quem é, um sujeito essencial para que nossa esperança seja uma realidade e não só um sentimento.

Da mesma forma que eu acredito que "buscar emprego" não seja fácil, nem confortável, também acredito que nos dedicamos pouco a nós mesmos, antes de aplicar para uma vaga, buscá-la ou até mesmo tentar encontrar pessoas que possam nos ajudar, com orientações, indicações ou recomendações; afinal, quando alguém nos pergunta "o que buscamos", tendemos a travar: na hora H, tudo o que parecia óbvio fica obscuro e nosso discurso perde a fluência que o pensamento parecia oferecer.

Minha sugestão? Responda para si mesmo porque você se candidataria. No que você é bom. No que verdadeiramente acredita: 

1. Como você se vê fazendo o que está escolhendo fazer?
2. Por que você escolheu o que escolheu, em termos de vida e carreira, até aqui?
3. Quais experiências você acumulou até hoje?
4. Por que razão você pediria (ou pediu) demissão? Qual a razão da sua saída nos empregos anteriores?
5. Como seu cérebro funciona?
6. O que você gosta de fazer?
7. Como é seu humor?
8. O que você pretende realizar? E por que realizar aqui; nesta oportunidade?
9. O que te levou a trabalhar nos lugarem em que trabalhou? Quais são os seus méritos?
10. Quais são seus fracassos?

Nada disso está no seu CV, nem nas respostas das fichas de inscrição. Mas sem refletir sobre questões como estas, "qualquer caminho serve" - e para "qualquer caminho", "qualquer pessoa" cabe.

terça-feira, 12 de setembro de 2017

R&S e a não empatia (both ways)

Os candidatos reclamam dos recrutadores. Os recrutadores reclamam dos candidatos. Não quero entrar no que é ou está certo ou errado, afinal, como diria Marisa Monte, numa paráfrase a um amigo "(...) se tem alguém olhando não é mais verdade: vira versão".

Observo candidatos que esbravejam quando os recrutadores não dão retorno e recrutadores que dizem receber CVs demasiadamente inadequados e que, portanto, o volume não comporta o tempo e espaço por ser uma pessoa só e que não fazem por mal, apenas "não dão conta".

Todos têm seu lado, seu ponto de vista, seu argumento.

De ambos, do que sinto falta, é da empatia, da tal "humanização do processo", se é que precisávamos falar tanto disso, em se tratando de duas pessoas - o recrutador e o candidato.


O que vejo é foco no processo: um CV e uma vaga. Uma job description e um perfil em bullet points.

Fico me perguntando se o candidato quer mesmo aquela vaga ou se é a que apareceu. Se a cada vaga que ele se aplica ele muda para adequar melhor. Se ele lê sobre a empresa, se ele tenta achar amigos de amigos de amigos que eventualmente trabalham lá e que podem dar alguma força; se ele busca em plataformas que compartilham avaliações como é mesmo trabalhar ali, etc.

Me pergunto se o tal recrutador, antes de postar a vaga, se dedica em pensar, mesmo que rapidamente, na pessoa que pode exercer aquelas atribuições, contribuir, mas também aprender, ou se pensa em tags de palavras que possam trazer mais e mais aplicações para formar aquele bando de dados e se gabar de buscas futuras, mesmo sabendo que não vai voltar naquela pastinha em meio a tantas outras que tem na rede/servidor da empresa.

Na grande maioria das indústrias que estão se transformando sempre há, como um ponto alto em ser competitivo e portanto, melhor, o fato de colocar "a pessoa no centro" e então desenhar experiências, que, de um modo geral, otimizam resolução de problemas em que essa "pessoa" é o cliente - é o tal do design thinking.

Muito já se fala, então, em colocar o colaborador no centro das soluções para os problemas que ficam atribuídos ao RH. Infelizmente, pouco  - quase nunca, vai, sejamos honestos - vejo isso acontecendo nas organizações no Brasil, principalmente para estas questões de recrutamento e seleção.
Do meu ponto de vista, se o RH tem dificuldade em "fechar a vaga", o candidato é um problema importantíssimo dele, que vejo ser isolado e passa a ser objeto, quando deveria ser sujeito. Por outro lado, também acredito que o próprio candidato pode ir mudando sua postura, mesmo que não veja diferença na receptividade do recrutador. 
Se continuarmos agindo porque o outro "também age assim", a minha versão vai sempre fazer mais sentido que a sua e nós dois sairemos perdendo.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Novos pontos de Vista

Nossa maior fraqueza está em desistir. O caminho mais certo de vencer é tentar mais uma vez.” Thomas Edison.
No último sábado em São Paulo, a Globo News, através da sua iniciativa Prisma - Novos Pontos de Vista - fechou metade do quarteirão de uma rua na região de Pinheiros, fez parceria com quatro co-workings e trouxe centenas de experiências gratuitas ao público, em forma de conversas, debates, palestras e oficinas, realizando um espetacular festival de Empreendedorismo e Inovação.

Por sorte, apesar de eu ter me inscrito apenas em quatro conversas, em algumas sessões coloquei meu nome na fila de espera e consegui entrar, podendo participar de momentos-surpresas, para os quais não havia planejado: melhor impossível!

Ouvi as jovens Ana Carolina Freitas e Giane Brocco falarem das pesquisas e aprendizados que têm adquirido com a biomimética: "A ciência que se inspira na natureza para argumentar a funcionalidade de produtos e de tecnologias". Ao lado do professor-doutor Wilson Nobre, discorreram sobre o mundo atual da abundância e sobre a urgente necessidade de nos conectarmos com a natureza, respeitando-a e aprendendo com ela, ao invés de explorá-la. 

Dentre alguns exemplos incríveis, mostraram, a partir de uma experiência de observação da proliferação de um fungo em flocos de aveia, que pesquisadores no Japão "capturaram os mecanismos-chave necessários para o fungo conectar suas fontes de alimento de uma forma eficiente, para construírem redes de comunicações e transportes mais seguras, mais eficientes e mais custo-efetivas, a partir das rotas traçadas pelo fungo".*

Depois, em duas apresentações energizantes sobre Cidades Inteligentes, a jornalista Natália Garcia e o arquiteto e urbanista Washington Farjado falaram sobre uma nova perspectiva em se atribuir inteligência nas cidades, excluindo a tecnologia como uma ferramenta fundamental para que a melhoria aconteça, trazendo exemplos de mudanças ocorridas em diversos contextos, de Veneza na Itália, a Portland nos Estados Unidos, passando por Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo. Neste, especificamente, fiquei abismada em saber que três milhões de pessoas se deslocam diariamente entre a zona leste e o centro de São Paulo - imaginem movermos um Uruguai todos os dias? - e, meu novo prisma, ao final, foi passar a pensar sobre como vivem os refugiados da nossa própria experiência urbana, tão pouco humana.

As duas participações seguintes foram as de bônus!: "Esgoto para beber: a água de reúso potável é uma ótima solução para a crise hídrica mundial. Mas precisamos filtrar o preconceito", com Eduardo Pacheco, atual diretor-técnico do portal de tratamento de água, que também mostrou, inclusive no Brasil, parcerias público-privadas que têm feito do esgoto água para beber.

Todas estas atividades foram no Impact Hub. Dali segui para o Ahoy Berlim para tentar a sorte - que me atendeu - e assistir ao painel "Negócios de impacto social: quando lucro é resultado do bem que você faz ao mundo", em que o meu novo olhar foi para ações voltadas aos direitos da criança e do adolescente, principalmente através das iniciativas do ErêLab - que eu particularmente não conhecia e amarrou bem a prática com a teoria do que é empreender socialmente.

De volta ao QG, a cereja do bolo foi o painel "Unschooling: a escola revolucionária que educa para o futuro", intermediada pelo jornalista André Trigueiro e apresentado por Leandro Herrera, fundador da startup de educação Tera, "que utiliza um método inovador de ensino baseado em projetos para formar uma nova geração de líderes em design, tecnologia e negócios na era digital" e pelo maravilho mestre José Pacheco, criador da Escola da Ponte, "uma escola sem séries, sem prova, sem “aula” e focada na autonomia e protagonismo do aluno".  

Dentre as várias perspectivas que eles trouxeram sobre o papel da educação e sobre o movimento contrário a ela que infelizmente as políticas públicas do Brasil adotam atualmente, a mais impactante para mim, que, utilizando as palavras do André, me "descortinou as ilusões", foi a da perversão do discurso que se há versus a pobreza das práticas e a obscenidade do silêncio dos pedagogos que são utilizados como objeto e não sujeito.

Sobretudo, que a curiosidade é a matéria-prima da aprendizagem e que sem o exercício de gerar significado, para atribuir vínculo, nenhuma forma servirá!

Ao final de tantas horas com incontáveis exemplos positivos, escolher a sua inquietação e tentar resolvê-la parece mesmo ser invencível. São anos e anos de esforço, sacrifício, mas sobretudo, de vivência de legado que se quer deixar no Brasil e, quem sabe, no mundo.

Fico extremamente feliz por uma organização como a Globo fomentar isso e colocar luz ao que não é sombra. Ao final dessa semana, o próprio canal da GloboNews deve exibir um programa especial sobre o que foi o festival. Caso você não tenha participado, sugiro se organizar para assistir: quanto mais inspiração as pessoas se permitirem sentir, mais pessoas vão acreditar que a mudança que querem ver começa mesmo na transformação de si.


*http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=fungo-supera-engenheiros-projeto-redes&id=010180100209#.WayEXciGPIU 




*Não adesão à nova regra gramatical.