sábado, 30 de janeiro de 2010

Daquela que não foi

Decidir [Deliberar, determinar(-se), resolver(-se) (...). 4 Explicar, resolver (...) 7 Inclinar-se a favor de ou contra: Decida-se por uma ou pela outra].
Michaelis

Primeiro seríamos dois. Depois éramos 11. No fim das contas, virou uma continha; e foram cinco. Eu não fui e iríamos para o deserto: diferente e inesquecível, se não fosse o desencontro e o desânimo, quase que uma preguiça, em seguir com o combinado - entre otras cositas más.

A mala estava pronta, o cobertor separado, moleton e luvas e a coragem de encarar o frio. Que nada! Olhei bem para tudo aquilo em cima da cama, fiz alguns telefonemas, outros haviam desistido. Fiquei naquele vou-não-vou tipicamente libriano e só não liguei para minha mãe porque seria três horas da manhã no Brasil: mas considerei bem a idéia =)

Pensei no caminho-aventura a ser percorrido, nas pessoas, na situação e posterguei fotografar o oásis.

Peguei a mochila do dia-a-dia, coloquei roupa e tênis da academia e decidi, então, que aquela seria uma quinta-feira normal, para que a sexta fosse também; como tanto tenho esperado desde que cheguei de férias: preciso me dar ao luxo do nada.

Mas o nada não tem me pertencido. Ainda na esteira, a rommie liga dizendo que algo ia rolar. Fiquei no lenga-lenga do sim ou não. Cinco minutos depois, outro telefonema e outro convite. Este, inegável, porque era a continuação da despedida da semana anterior - sabe como é uma reunião de Brasileiros: qualquer desculpa vira oportunidade!

E assim, seguimos. O melhor foi ter uma daquelas conversas que adoro! Conheci uma pessoa, deve ter lá seus 50 anos, bem vivido, paulista-libanês. Falava do porquê, nesta "altura da vida", de ter decidido vir trabalhar na Líbia e que se interessava pelo pioneirismo que, em grande maioria, é mais instigante aos jovens descompromissados socialmente. Falamos de assuntos que há muito não abordo e não leio sobre: ser cidadão do mundo!

Curioso como em poucos minutos eu me permiti me lembrar de alguns fatores que desencadearam minha vinda e minha permanência e que quando absorvemos o ganho da vivência na diversidade e oposição; que não é preciso concordar, mas respeitar para saber conviver; que me abro para desafiar meus valores e a base da minha formação, me permito entender que o que eu questiono são minhas referências e que é preciso estar aberta para entendê-las.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Do balacobaco

Agitação: [Ato ou efeito de agitar (...) 4 Inquietação. 5 Perturbação política, turbulência, revolução (...).Antôn: tranqüilidade, calma].
Michaelis

Estou ligada na tomada. Dormindo não fico quieta, nem me acalmo. Nos meus sonhos eu corro e na corrida ainda estou atrasada. Tem sido um pra-lá-pra-cá que e vou te contar:

Vou dormir rindo e logo a graça me apaga. Às vezes me perco em que parte parei na reza antes dos meus olhos fecharem e no dia seguinte acho que começo a pedir desculpa pelo dia anterior; em que dormi falando com Deus e, achando graça de novo; e de novo, durmo. Raramente tenho alcançado o Amém!

Estou boba!

Nesta semana em que a rotina do trabalho veio quase que em velocidade máxima - sim, "quase" porque sempre há espaço para mais - o dia-a-dia na casa também esteve pipocando: ela voltou - uma das rommies mais engraçadas que já tive em três anos de independência. Chegou em um agito só! Pá: quase o resquício de um furacão!

Para colocar tantas conversas em dia, inclusive detalhes da passagem pelo Brasil, eu briguei com os cílios para me manter acordada, ouvindo até o fim: o fim da noite!

Acordava e, de novo, era hora do trabalho. Um dia atrás do outro. Parece que sem intervalo. O tempo passa rápido.

Seis dias intensos. Muitas planilhas, números, controles, retornos, conversas, telefonemas, e-mails e o desejo de uma quinta-feira à noite para dormir, seguida de uma sexta-feira de pijama: Que nada! Era a vez do Agito no zodíaco: hora de levantar!

Fugindo duas vezes da academia, na quinta, depois dela e do banho, fui a um jantar. Na sexta, o cheiro do almoço em casa me despertou e vi que já era hora de sair para um churrasco: mais uma despedida! Abandono do pijama e rua: graças! No churrasco, muita música brasileira e alegria. Estamos em casa. Sambei e ri. Contei casos. Ouvi casos. Sambei não; tentei e fingi.

E aí, os minutos rodaram, formaram horas, o dia virou noite, a lua diminuiu o riso, a novela começou e o sono tomou conta: menos uma semana. E mais uma do balacobaco!

sábado, 16 de janeiro de 2010

Para não passar em branco: Haiti

Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for a festa do pelô, e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti

O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui

E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino do primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
Brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti, reze pelo Haiti

O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui

Caetano e Gil, 1993.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Trezentos e Sessenta e Cinco. Dias.

"Inquietação é descontetamento, e descontetamento é a primeira necessidade do progresso". Thomas Edison

O ano de 2009 não foi bissexto, para ser diferente e especial. Mas foi na Líbia, Norte da África. O ano de oportunidades, também para o Brasil. Para os brasileiros. O ano em que vivi e descobri muitas e várias coisas. Continuei a descoberta, sobre mim mesma.

Conheci pessoas e continuei a tentar viver a definição de tempo. Em vão. As coisas acontecem, simplesmente. Sem saber se ia ou ficava, permaneci.

Na volta BH-Tripoli, desta vez, era diferente. Estava acostumada e sabia para onde ia, quem me esperava, o que me esperava e que, mesmo não sendo “o trabalho dos seus sonhos, era você quem deveria estar lá”. Eu e todos os outros, porque a vida é mesmo "a arte do encontro".

Entre o exato cinco de Janeiro de 2009, até o cinco de Janeiro de 2010, eu:

Atravessei mares; senti frio, mas não muito calor; morei em hotel; vivi o analfabetismo, por completo; desenvolvi o Espanhol; desafiei meu Inglês; testei meu paladar e depois o ouvi dizer que não era tão ruim assim; perdi aniversários, casamentos e formaturas; ganhei novas perspectivas; vi dromedários; recuperei a disciplina; curti ter piscina em casa e chamar os amigos para dividir o momento; ganhei o mundo; perdi lançamento de livros, filmes, shows e cds; ganhei uma nova sonoridade; ganhei novas pessoas e todas elas diferentes de muitas outras que tinha conhecido por aí; re-encontrei outras, só porque essa oportunidade me permitiu estar no mesmo lugar, ao mesmo tempo, com várias delas; refiz família e tive irmãs, não de sangue; aprendi coisas novas e vi o que eu não sei aumenta a cada dia que passa; desisti de saber cozinhar; trabalhei; me diverti trabalhando; aprendi a entender o poder e o papel da crença; mantive a ; vi que nem sempre quem ajoelha, reza; voltei a enxergar parte de mim mesma, que estava escondida; superei a saudade de passar meu aniversário longe de casa, com surpresas leves e, não por isso, menos importantes; fechei e abri muitas malas; me convenci que há diferentes formas de inspiração e que é só uma questão de estar aberto; conotei um novo sentido à palavra presente.

Li assuntos diversos. Realizei que seis meses passam rápido e que a cada tempo deste temos novas almas e energias; o Sol e a Lua. Tirei fotos. Nadei no Mediterrâneo. Conheci ruínas Romanas. Viajei. Trouxe as lembranças, empacotei e distribuí. Ouvi músicas.

Assumi que o céu e o mar daqui são maravilhosos, não visto nada igual; que o pão é mais do que árabe, é único mesmo; que a cerveja sem álcool pode ser vendida em grande quantidade e que fumar narguilê se torna às vezes o grande ofício que combate o ócio improdutivo e que reúne indivíduos isolados.

Entendi que quaisquer itens que estejam em quaisquer listas, saúde é o que vale, para seguirmos; e que família e amigos estarão sempre, porque se enganou aquele que disse, e os outros que acreditaram, que ele sempre acaba. E que, divertir e tentar ser feliz, com a limonada de quaisquer limões que se consiga juntar, é prioritário.

E que, como não poderia ser diferente, nesta semana em que completei 365 dias de Líbia, ri, ri muito, quando um colega que freqüenta academia comigo, perguntou:

- Bárbara, como é que faz feijão?
- Putz!
- Ah não! Mineira que não sabe fazer feijão, não é mineira!
- Ué! Pega um tanto, põe água e fecha a panela de pressão.
- Sim, isso eu sei. Mas por quanto tempo? 20, 30, 40 minutos?
- Putz!

"(...)E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso(...)".
Sampa, Caetano Veloso.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Cada segundo é Reveillon*

Relacionar [1 Fazer ou fornecer a relação de; arrolar, pôr em lista (...). 2 Narrar, expor, descrever, referir: 3 Comparar (coisas diferentes) para deduzir leis ou analogias: Relacionar argumentos, observações(...).Relacionar uma coisa com outra. 4 Ter relação ou analogia; ligar-se: Relacionar-se a ou com alguma coisa. 5 Fazer relações, conseguir amizades, travar conhecimento: Muito comunicativo, relaciona-se com todos a seu redor.
Michaelis

Entre as aberturas de gavetas e portas, me encontrei com o passado. Remoto e recente. Além de fotos, documentos e outros tantos papéis, minhas mãos encontraram "O que quero em 2006"; mas meus olhos não quiseram ler até o fim. De nada adiantaria e pelos talvez primeiros cinco itens, boa parte daquilo eu tinha feito. Em 2006.

Em geral, quase todo ponderado de pedido estava ligado ao profissional: ser, ter, fazer, reconhecer, conquistar, inspirar. Tudo muito imperativo. Me desanimou um pouco lembrar do olhar que eu tinha na virada de três anos atrás.

Intrigante. Faltavam alguns dias. Faria uma nova lista? Desde 2006 não faço listas. Onde estava em 2006?

O nove virou dez e não listei; mas pensei bastante no eu-pessoal. Como diz a Tássia, "coleciono amigos"; mas tenho enfraquecido nesta parte. Já fui muito melhor; dei show na utilização do meu tempo; dizia sim para formatura, casamento e aniversário em um mesmo dia e poucas vezes não dava conta e comprava uma briga que, depois de alguns sorrisos por canto-de-boca, o perdão vinha com música ao fundo e brindar de copos cheios de cerveja.

Hoje, não tenho dado conta. Em 2009, disse muitos "não" e alguns "sim" sem serem realizados no fim. Não creio que seja porque moro longe, porque não estou aqui; não entendo porques. Não justificam satisfatoriamente.

Então, "relacionamento" talvez diria tudo e muito sobre o que pensaria quanto a 2010. No fim das contas da listinha, aliás, vou levar uma coisa muito a sério, desde já: "nada de promessas". Saúde e simplicidade com champagne; antes que o dez vire onze.

*Cristiana Guerra, em Para seu Pai

*Não adesão à nova regra gramatical.