sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Uma novena para a Santa Internet

Internet [s.f. (pal. ing.) Rede telemática internacional que une computadores de particulares, organizações de pesquisa, institutos de cultura,institutos militares, bibliotecas, corporações de todos os tamanhos].
P&D

"A cidade é fantástica. Suja, com gente feia, mas o mais importante, com cultura própria muito forte". Blitz.

Isso não fui eu quem disse e nem é sobre Tripoli. Mas foi o que um amigo meu, o Blattes, natural de Santa Maria-RS, me disse sobre Belém do Pará, Brasil. Me identifiquei muito e vi as conexões que podemos fazer entre as cidades e vidas mais inimagináveis, contudo, possíveis.

Eu nunca tinha ouvido falar em "Líbia" até receber a proposta que para cá me trouxe e, quando ouvi falar, peguei o mapa mundi e vi que não tinha a mínima idéia de onde era. Já as pessoas de 35-50 anos sabiam pela questão do relacionamento com os EUA no passado. Eles eram recém-adultos e eu criança. E na escola não me ensinaram nada disso. Nem a vida. Até Setembro de 2008.

Mas acho que hoje a melhor procura do entendimento destas e outras conexões é a internet.
Eu demorei a gostar desta coisa e ainda não sinto muita afinidade com o computador. Acho muito técnico para minha personalidade de trato interativo e humano. Mas comecei a valorizar e ficar online quando vi que conhecia várias pessoas de lugares diferentes do Brasil e do mundo. São pessoas com quem eu estive por uma, duas ou pouquíssimas vezes e que não sei quando vou vê-las de novo, pessoalmente. Salve-salve webcam! São pessoas que podem me dizer da cidade delas, da origem delas, de uma forma mais forte e compreensível do que qualquer livro muito bem escrito e qualquer pesquisa meticulosamente aplicada.

Eu acho que viajar é uma forma de fuga: desconectar-se das coisas que te prende. Mas ainda bem que existe a tal da internet para a gente poder compartilhar, dentre várias coisas, o sentimento de alguém que está em Belém do Pará e fazer dele algo tão próximo quanto ao meu que estou tão longe daquele que escreveu.

Aqui está frio e o Marcelinho em São Paulo está passando mal de calor. Mas os dois estão desconfortáveis. E sabemos disso quase que simultaneamente!

E na década de 80? Quem viajava para lugares tão longe estavam desconectados, viviam sentimentos sozinhos, mesmo quando não queriam. E escreviam cartas que ao serem lidas perdiam parte do sentido.

Hoje, a Líbia mantém uma relação diplomática com os Estados Unidos. À princípio é um país que não apresenta risco de ataque terrorista ou coisas do gênero atual. E o melhor disso é que dou estas notícias em paz. Você lê = você sente.

Mas independentemente do que se passa na minha rotina de cruzar por vias sujas e cultura forte, a certeza que trago é rezar quase que uma novena para a Santa Internet permanecer estável para mim que escrevo e para as pessoas que me lêem.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Onde é lá?

Destino (de destinar) [(...)2 Circunstância de ser favorável ou adversa às pessoas ou coisas(...). Objetivo, fim para que se reserva ou destina alguma coisa.5 Lugar a que se dirige ou para onde é expedida alguma pessoa ou coisa(...)].
Michaelis

Aqui é difícil de dizer o destino. Precisava receber umas encomendas para fim profissional e pessoal e descobri que "endereço" não é tão simples quanto ao que estamos acostumados: Rua, Número, Bairro, Cep. Onde moro? Em Daha - ou algo parecido. Ah, sim, agora entendi. Onde trabalho? Na avenida perto da Escola Americana, onde estão construindo um campo de futebol. Super esclarecedor! Posso me perder que saberei chegar.
Carteiro? Haha. Esquece. Na dúvida, escaneie e mande por e-mail ou espere alguém ir ao Brasil e aí sim utilize Sedex para receber algum material: em mãos. Mas lembre-se: se mandar por e-mail, diminua a resolução ou do contrário seu arquivo pode brecar a internet de todo um povo :)

Observando isso, um dia, na volta para a casa, pensei - "verbo desgraçado este, o 'pensar' ". Desculpe o palavrão, mas porque tudo tem que ter um por quê? Enfim, pensei: "se não há 'para onde', será que há o 'como?'". Foi então que notei que não há ônibus urbano: transporte público. Meu Deus, pânico!

O transporte em Tripoli é feito com aquelas vans irregulares, que trazem durante o trajeto o alto risco de não deixarem as pessoas no seu destino. Uma cidade de mais de três milhões de habitantes, sem uma sinalização segura, declara que o poder está nas pessoas arriscarem quando e como a vontade lhes convir. Mão-e-contra-mão é via, então dá para passar. Fiquei imaginando as pessoas mais humildes, simples, que saem de algum lugar como nossa periferia. Qual é a logística da rotina delas? Logística por aqui deve ser um luxo: para poucos.

E se eu me arriscasse em dar uma volta? Não há números, nomes, como ir? Para onde ir? Vou de táxi, cê sabe...! Se algum parar não é?, afinal, é raro um taxista aceitar uma mulher sozinha em seu carro, ainda mais de cabelo solto. Que nudez!

Me disseram que táxi é uma boa opção para os locais, porque como a gasolina é barata, uma corrida que no Brasil seria uns R$10,00/R$20,00 aqui sai a dois/três dinares. Não precisa ficar curioso para converter: é uma pechincha! Ou seja, vans e táxis são os ônibus e metrôs da população por aqui. Em um futuro bem próximo, o Engenheiro de Trânsito Municipal, se é que há, vai ter um belo desafio pela frente e haverá que levar a sério a logística e retrabalhar o conceito de poder entre as pessoas.

Nessa confusão toda, eu tento não me abater ou me levar por esses momentos de certa insatisfação com o que nos é diferente, porque pela narrativa devemos buscar algo que atenue o drama, principalmente para aqueles que lêem e não vivem. Não tem porque desesperar.

É igual a questão da alimentação. Eu realmente achei que seria bem pior do que é ou tem sido, mas com o tempo a gente vai percebendo que o conceito de "gostar" é mutável conforme você adquire bagagem cultural, seja através de viagens ou de leituras sobre arte. No sul da China se come barata. Que delícia que deve sera carne de camelo! No sertão Nordestino brasileiro o transporte é jegue-burro-mula e seus parentes: viva a van líbia!

É preciso ter "humildade para observar pessoas e lugares reconhecidamente sofisticados e extrair deles a informação necessária para comporo seu próprio bom gosto" (O capricho da simplicidade - MM).

Nesta minha rotina há um claro ponto de partida (hotel/casa) e um definido destino (escritório/trabalho), mas entre essa "merrequinha de espaço", não é um destino desperdiçar.


sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Como porque é sólido

comida: [sf (fem de comido) 1 Alimento, refeição. 2 Aquilo que se come. 3 O ato de comer. (…)comida silvestre. pop: alimentação que faz mal à saúde, provocando erupções, pruridos, edema palpebral, distúrbios gastrintestinais; em suma, manifestações de caráter alérgico].
Michelis


Eu estava bem ansiosa para ter minha primeira refeição por aqui. No dia em que cheguei, fui jantar em um restaurante que logo vi que não me traria a percepção real. Quando o carro parou, pensei: “Se isso não for cozinha internacional será uma opção local ‘chique’”. Não estava de toda errada: o atendimento foi muito bom, personalizado e as opções compreensíveis, sem ter que perguntar “isso é carne de camelo?”. Ou seja, todas essas minhas observações iam contra ao que tinham me dito que encontraria por aqui: atendimento ruim, demorado e dificuldade de compreensão e comunicação de um modo geral. O dono falava português. Pois é!
A entrada foi parecida com os nossos petiscos – pastéis (só um pouco apimentado se comparado ao nosso) e pão. Jesus, como tem pão por aqui!! Eu, com medo de comer a tal carne de camelo, arrisquei um peixe. Bonzinho. É, não posso reclamar.

Amanheceu e esperava que o café da manhã fosse como o turco: azeitona, pepino, tomate e… pão! De novo, na trave. Tinha isso tudo, mas tinha croissant e queijo: queijo! Sendo uma mineira fajuta com dificuldades em ingerir produtos derivados do leite, eu comi queijo com pão como nunca, com boca boa – mamãe ia adorar! Bem melhor do que azeitona, pepino e tomate!
E o café é uma delícia. Forte. Bem próximo ao brasileiro.
No dia seguinte, já no trabalho, o almoço. Tcharam: expectativas um pouco mais elevadas depois da ótima surpresa com o peixe e o queijo. Saladinha com milho (ebaaaa), legumes cozidos e carne bovina. Isso. De novo, nada de camelo. Cafezinho pós almoço e mexerica – ou tangerina ou bergamota – de sobremesa. Que saudável! Que brasileiro! Era muita alegria!
Bom, no lanche à noite tenho comido kebab (pão – óbvio e sempre – com frango) e no café da manhã, o croissant.
Eis que surge um dia o almoço com arroz: paraísoo! Arroz? Inicio o processo com a melhor intenção do mundo: pão, salada e, bocada no arroz com uva-passa-branca e novos legumes – couve-flor, cebola e repolho: argh! Eca. Bleh!! Coisa horrível! Gente, que gosto ruim! Bem delicada, fiquei só na carne e, infelizmente, desperdicei. Era mais osso de carneiro do que qualquer outra tentativa de identificação! Fui saber depois que aquele gosto era canela. Imagina uma canjica dura e azeda. Era o arroz, alias, é o arroz daqui. E com aquela “mistureba”, aquela uva-passa-branca, ui!, a alternativa foi abrir um suco para mandar o que restou para dentro. Assim mesmo, bem direto. O suco? Cenoura com alguma coisa: Aaaaaargh!, Senhor vou passar mal, que vergonha, acabei de chegar, que desespero, ufa, respiraa, passou! Ai, passou, estou bem. Café, por favor e, mexerica.
Assim, volto à minha decisão de não esperar nada demais quando se trata do desconhecido. Se vier algo bom, que ótimo. Se for ruim, fico no pão com a salada, aumento a barriguinha e serei feliz. Enfim, gosto não se discute, aceita-se. É o tempero deles, assim como amo comida japonesa e tem brasileiro que adora brigadeiro com feijão. Ok, não é comum, mas existe. Aliás, na dúvida, terminemos em pizza!

“Prepare-se para o pior. Espere o melhor. E aceite o que vier”. Provérbio Chinês – ahh, rolinho primavera, yakissoba, frango xadrez...

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Em 20 minutos tudo pode mudar

Costume. [ (...)Hábito. 4 Particularidade. 5 Moda. 6 Traje adequado ou característico: Costume de passeio. 7 Vestuário externo de homem. 8 Vestuário de mulher composto de casaco e saia. sm pl 1 Comportamento, procedimento. 2 Regras ou práticas que se observam nos diferentes países.].
Michaelis.
Estou sem medo e a ficha não caiu. Está tudo bem por aqui. Logo que cheguei conheci uma outra Jornalista - "Outra" porque eu sou também, para quem não sabe. E eu estava naquele humor infantil onde tudo que é novo é belo, mesmo quando os traços urbanísticos ao redor não indicam a beleza. Estava empolgada. Ela começou a falar do papel dela e dos desafios. Olhei a hora. Enquanto ela falava eu anotava, pensava, falava comigo mesmo, planejava. Até que ela começou a relatar o cotidiano e eu percebi que aqui não há (muita) análise crítica, que aceitam informações e que inexiste movimentos sociais, ONGs e entidades de classe, para a minha tristeza pessoal. Olhei a hora. Havia se passado 20 minutos.

Aí lembrei do slogan da BandNewsFM que aprendi a escutar em São Paulo durante o trajeto casa-metrô/trem-ônibus-trabalho: "Em 20 minutos tudo pode mudar". Eu sempre gostei da frase, mas nunca tinha efetivamente parado para pensar até que tudo mudou comigo.
Mudou porque o lugar não era mais um ponto no mapa e as pessoas não eram personagens. Aqui eu vivo um analfabetismo até mesmo sonoro. É impossível você tentar entender qualquer coisa. As placas não me dizem para onde estou e para onde a rua me leva. Dar a mão ao outro pode não ser um gesto gentil. Abraçar em público não é recomendado. Não se vê pessoas em traje de banho, volei ou futebol na praia, nem mesmo caminhada em calçadões. Nem mesmo calçadões, embora estejamos no litoral mediterrâneo, com um passo a molhar os pés no azul desconhecido. Mas este passo eu não dou, ainda. Trabalham seis dias por semana e o Domingo deles equivale a nossa sexta. Não há bebida alcóolica e nas festas se brinda com chá. Não tem arroz como o nosso e a carne pode ser de camelo. Aqui o legal da festa é quando as mulheres dançam com um vaso na cabeça. É o nosso chão-chão-chão. O desafio da flexibilidade. Família é o grande valor deles e, as crianças, o futuro respeitado.

Estou aprendendo tudo de novo. Falar, ouvir, entender, adaptar, aceitar, respeitar. Reaprender poderia ser um costume.
Shukran jazílan!
*Não adesão à nova regra gramatical.